JANEIRADAS ( APARECIDA - LOUSADA)
No dia 13/01/2016, o Rancho Folclórico de Santa Luzia de Airães, encantou os presente, com lindos cantares de janeiras, no centro cultural e recreativo em Senhora de Aparecida (Lousada), um evento organizado pela paroquia de Srª Aparecida.
Faz-se noite. No meio da escuridão ouvem-se vozes em coro: “Esta casa é bem alta, janelas de vidro tem, viva lá o senhor António, sua senhora também”. Cantadas de porta em porta, as Janeiras, animavam as ruas da aldeia e continuam hoje a ser partilhadas, num ritual que preserva momentos de festa e votos de boas-vindas ao Ano Novo.
O Dicionário da Língua Portuguesa define Janeiras como “Cantigas de boas-festas por ocasião do Ano Novo”. Assim, não podemos deixar de relacioná-las, com Janeiro, o primeiro mês do ano, assim chamado em honra do deus Jano (de janua = porta, entrada). Este deus ocupava um lugar muito importante na mitologia romana, sendo o seu nome invocado antes de Júpiter. Jano era o porteiro celestial, e, consequentemente, o deus das portas, que as abria e fechava, esperando-se a sua protecção na partida e no regresso. Considerado um deus dos começos, Jano era invocado para afastar das casas os espíritos funestos e não podia deixar de ser invocado no mês de Janeiro, começo do novo ano. Em sua honra aproveitariam os romanos para se saudarem uns aos outros.
Parece, portanto, que as Janeiras têm origem nesses cultos pagãos, que o cristianismo não conseguiu apagar e que se foram transmitindo de geração em geração.
As Janeiras de outros tempos, à semelhança de outros acontecimentos do calendário, litúrgico ou não, eram esperados ansiosamente, pois tratavam-se de celebrações que ajudavam a quebrar os hábitos diários.
Juntavam-se os vizinhos, rapazes e raparigas (bem agasalhados) e ensaiavam as Janeiras, cantigas ao Deus Menino, mas para pedirem as boas-festas.
De preferência, escolhiam as casas mais abastadas e mais próximas ou de familiares e amigos. Depois, sem demoras, porque as noites além de curtas eram frias, era necessário acertar junto de cada casa a visitar quais as quadras que aí se cantariam. A selecção era feita em função dos moradores das mesmas, que, ao invés das grandes cidades actuais, na pequena aldeia todos se conheciam. Se houvesse visitas, era bom que se soubesse, a informação evitaria omissões e cativaria ainda mais a família visitada.
A maior responsabilidade cabia àquele ou àquela que iria "versar": para tal deveria possuir uma voz bem sonante e uma boa dose de valentia para cantar a solo, alternando com o coro que cantaria o refrão.
E era precisamente pelo refrão que o grupo se fazia anunciar, cantando em uníssono:
“As boas festas nós vimos dar
O Deus menino a acompanhar
As boas festas nós vimos dar
O Deus menino a acompanhar”.
Surge, então, a primeira quadra a pedir licença para tal festividade:
“Aqui estão os das Janeiras
Com intenção de as cantar
Se os senhores nos der licença
Nós as vamos começar”.
Cantava-se uma quadra, por norma dedicada à família em geral, que continha os primeiros elogios:
“Quando eu aqui cheguei,
Logo pus o pé na escada,
Logo o meu coração disse
Aqui mora gente honrada”.
E passava-se às saudações individuais, respeitando-se a hierarquia da família, pelo que em sociedade patriarcal, o lugar de honra era para o pai:
“Viva lá o Senhor António
Vestidinho de veludo,
Quando mete a mão ao bolso
Tira dinheiro para tudo.”
A saudação seguinte pertencia à dona da casa, elogiando-se-lhe a beleza, a bondade ou outra qualidade:
“De quem são as camisinhas
Que estão dependuradas,
São da senhora Miquinhas
Que as tem bem estimadas”.
ou
“Viva lá a Senhora Aninhas
Com o seu cabelo bem posto,
Abra a porta e venha ver
Se o viva vai a seu gosto”.
Sucediam-se, depois, as dedicatórias aos filhos e filhas, e a outras pessoas, com indicação, se possível, dos nomes, como por exemplo:
“Viva a menina Maria
A calçar a sua meia,
É a menina mais linda
Que neste lugar passeia.
Ou
“Quem diremos nós que viva
No raminho das urtigas,
Viva o menino José
Capitão das raparigas”.
Depois se darem todos os vivas, terminava-se com um verso de votos de despedida ou de um bom ano para toda a família.
“Arrola pombinha arrola,
Debaixo da verde giesta,
Já demos um viva a todos
Acabou a nossa festa”.
E aguardava-se que as pessoas abrissem a porta para lhes dar os esperados “trocados”, grande objectivo da visita.
Caso tal não acontecesse, seguia-se a quadra de desdém, dedicada aos senhores “forretas”, pela sua falta de generosidade:
“As Janeiras que nós cantamos
Tornamos a descantar,
Estas barbas de farelo
Não têm nada que nos dar”.